sexta-feira, 27 de maio de 2016

A Culpa não é sua


Certa vez, quando eu ainda estava na Faculdade, peguei o ônibus para ir para casa, desci na parada e fui caminhando como sempre. Senti que tinha alguma coisa errada e comecei a observar mais as coisas ao meu redor, até que eu percebi que havia um carro que já tinha passado algumas vezes por mim. Entrei na primeira lojinha que achei pelo caminho, parei e olhei para fora, o mesmo carro passou bem devagarzinho e o motorista procurava por alguém. Esperei mais um pouco e para  a minha surpresa o carro passou, mais uma vez numa velocidade bem baixa pelo local. Assim, que ele passou novamente peguei minhas coisas e corri em direção a minha casa que ficava umas três ruas acima. Quando entrei numa das ruas o carro apontou na esquina da mesma, lembrei que ali morava a mãe de uma das minhas melhores amigas e corri o mais rápido que pude para ela, cheguei ao portão e gritei por ela, que saiu, me viu e abriu o portão. O carro parou de frente com a gente e o homem que estava dentro do carro perguntou por uma faculdade que nunca tínhamos ouvido falar. A tia respondeu que não existia tal faculdade ali, ele agradeceu e foi embora. Eu entrei e expliquei o que estava acontecendo e combinamos que esperaríamos quinze minutos e ela me deixaria na esquina de casa. E foi o que fizemos, ela me deixou na esquina de casa, nos despedimos e assim que eu parei na frente do meu portão, um carro parou também.

_ Oi. Tudo bem com você?

Eu olhei para o carro, virei e olhei para dentro de casa e chamei pela minha irmã.

_ Eu não quero que você fique com medo. Mas é que eu precisava te dizer o quanto te achei linda.

Meu coração congelou, eu não tinha reação nenhuma. Percebi que não tinha ninguém em casa, eu estava sem chave e o cara estava ali na minha frente. Então respirei fundo e pensei, seja educada, agradeça e não deixe ele bravo.

_ Muito obrigada.

_ De nada. Era só o que eu queria te dizer, você é linda.

_ Obrigada!

E ele ficou ali, olhando. Até que minha irmã e minha tia saíram da casa dela e vieram ao meu encontro e ele foi embora.

_ Ju, quem era no carro?

Provavelmente todo mundo que me conhece sabe dessa história, eu lembro do carro, um kadett, e me lembro do rosto dele até hoje. Eu tinha uns 22 anos na época, hoje tenho 31 e não me esqueço do episódio. E infelizmente, ao ler uma notícia chocante, absurda de 30, TRINTA homens que estupraram uma criança de dezesseis anos, tudo veio a tona novamente. Sim, uma criança é o que ela é para mim e que em nenhum momento pôde se defender ou teve quem o fizesse por ela. E não, não acho que devemos nos calar, não devemos ver algo tão monstruoso e nos calar. Por que se a minha história acima me assusta até hoje, o que essa história fará com essa menina e sua família?.

Muito se fala de feminismo, de machismo. Eu não me considero Feminista, no meu pensamento, se o machismo é ruim porque o feminismo seria bom?. Entendo o motivo por ele existir, foi uma forma que se achou de lutar contra todas as injustiças sofridas e que se sofrem até hoje, sei da sua importância, mas não concordo com algumas coisas. Para mim deve-se lutar pelo respeito a todos e a todas e ponto, sem desmerecer um ou desmerecer outro, o que se deveria ter é respeito e não uma guerra de sexos. Então, por esse motivo não me julgo feminista, mas entendo que pelo menos o movimento chama a atenção para assuntos que muitas pessoas se incomodavam ou não queriam trazer a tona e isso é muito importante.

O que aconteceu com essa menina, não pode ser esquecido. O que essa menina deve saber é que não foi culpa dela, nunca, em hipótese alguma será culpa sua. E sabe o que me deixa mais triste tirando a notícia e a barbaridade em si?!. É que provavelmente daqueles trinta homens, pelo menos um se deu conta da covardia, pensou numa irmã, mãe, filha, sobrinha, mas não foi homem suficiente para acabar com o que estava acontecendo, para proteger aquela moça, porque se alguém ali tivesse falado algo, defendido, a história poderia ter sido outra, mas faltou com perdão da palavra "culhão" de alguém ali.

A culpa foi dela que estava no lugar errado e com a roupa errada. Ela é apenas uma moça que saiu para se divertir, não vestiu uma roupa intencionando ser estuprada, saiu apenas para se divertir, é o que os jovens fazem, quantas vezes você saiu com uma roupa "imprópria"? ler esses comentários de homens e de mulheres é de se revoltar, de se perguntar como alguém pode achar que o outro merece sofrer uma violência simplesmente porque estava com uma saia curta ou um batom vermelho ou um decote ou... A culpa é de quem quando ouvimos que mulheres são estupradas dentro de casa, saindo para ir trabalhar, voltando de faculdades, dentro de igrejas, crianças indo para a escola, de quem é a culpa?.

A culpa é de quem Estupra, ponto, não tem "mas" ou "se" a culpa será sempre de quem estupra. E não devemos nos calar quanto a isso e achei que por obrigação não deveria deixar o Blog se calar. Provavelmente toda mulher já teve uma experiência como a que eu tive e quantas não tiveram a mesma sorte que eu de ele parar, falar o que queria e ir embora, quantas?. E essa é apenas uma das que eu tenho para contar, a que mais me marcou. Ontem li o texto de um homem no Facebook e infelizmente, não sei o nome do autor, mas termino aqui o meu texto com as palavras dele e espero que vocês reflitam sobre o assunto e que estejam indignados tanto quanto eu estou. 

“Ah, mas eu nunca bati numa mulher. Nunca estuprei. Nunca matei”. Olha o tipo de argumento que se apresenta para justificarmo-nos, afastarmo-nos da fatia dos “doentes”, dos “monstros”. Ah, se fosse só possível aplicar violência física. Violência, longe de “não bater”, “não estuprar”, “não matar”, corresponde a qualquer ato que agrida ou retire direitos a um indivíduo. Violência pode, perfeitamente, estar impressa em um “cala a boca!” proferido…

Estupro é sim uma abominável e extrema forma de violência, mas, friamente calculando, é apenas mais uma. Cada uma de suas formas é um degrau na escada da abominação. Não precisa pensar muito p’ra dar-se conta disso! Em um crime, não precisamos ser agentes para decair sobre nós a culpa. Basta sermos cúmplices! Assim, uma série de perguntinhas p’ra provar que, apenas por não agirmos bem nos tornamos cúmplices dos atuais estupradores:

_Já “mexeu” com uma mulher na rua, ou deixou alguém mexer?
_Já aproveitou do porre p’ra “se dar bem”, ou deixou alguém fazer?
_Já recebeu ou compartilhou “detalhes” daquela foda, ou deixou alguém fazer?
_Já nomeou como “facinha” aquela mulher conhecida, ou deixou alguém fazer?
_Já compartilhou voyeurismo privado, exibindo em público a mulher que você “comeu”, ou deixou alguém fazer?
_Já vazou conteúdo erótico roubado de celulares e computadores a que teve acesso, ou deixou alguém fazer?
_Já consumiu “caiu na net” por Whatsapp ou portais de pornografia, ou deixou alguém fazer?
_Já deixou de interromper uma “briga de marido e mulher”, p’ra não “meter a colher”, ou concordou que alguém fizesse?
_Já usou de chantagem sentimental por sexo, ou não impediu alguém de fazer?
_Já transou com a “novinha” porque estava “pedindo”, ou deixou alguém fazer?
_Já tratou uma mulher feito carne p’ra sanar sua necessidade de sexo, ou riu de alguém que fazia?

Pois bem, meu querido. Transformá-las em pedaços de carne para consumo é abrir as trilhas na floresta da abominação. É ser causador de um crime. No mínimo seu cúmplice. Cada um de nós carrega o peso da responsabilidade de nossos atos (e não atos) em cada ato de violência consumada, inclusive nos estupros e feminicídios, queiramos ou não. Já que brasileiro adora uma mesóclise: culpa-te-ei, culpar-me-ei pelo que houve ontem, no estado do Rio de Janeiro. Somos todos culpados por mantermos a cultura do estupro viva e ativa. Somos responsáveis por sua manutenção. Somos cúmplices das consequências e, assim, p’ra cavar o poço do próprio nojo, como estou sentindo agora, somos nós os estupradores.

Tão “machos” p’ra defender nossa “honra”, mas uns cagalhões p’ra defendermos uma mulher. Durmamos com essa…"




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